Fonte: TN.
Andrielle Mendes - Repórter
As taxas de consumidores endividados, de consumidores com dívidas atrasadas, e de comprometimento da renda familiar em Natal atingiram o maior índice do ano em maio, de acordo com pesquisa recém divulgada pelo pelo Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), vinculado ao Banco do Nordeste (BNB), e pela Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Norte (FCDL/RN). Entre janeiro e maio, o percentual de consumidores que possuem dívidas vencidas e não pagas na data do vencimento avançou 2,2% em Natal.
Alex Régis
O cartão é o principal meio de pagamanto usado pelos endividados
A capital potiguar seguiu na contramão do Nordeste, que registrou as menores taxas do ano em maio e apresentou redução de 18,6% no percentual de consumidores que possuem dívidas vencidas e não pagas na data do vencimento, entre janeiro e maio de 2012.
Uma das razões para o avanço dos indicadores, analisa José Varela Donato, coordenador de Estudos e Pesquisas do BNB/Etene, é o crescimento da taxa de desemprego. A queda no número de turistas também contribuiu para agravar o quadro, ressalta Carlos Henrique de Almeida, economista da Serasa Experian. "O turismo caiu em Natal. Quem trabalhava em hotel e recebia hora extra, deixou de receber e passou a enfrentar dificuldades para saldar as dívidas", exemplifica.
O avanço da taxa de endividamento já atinge o comércio. "Quando o bolso aperta, todos os setores choram. Não tem um setor específico que sofra mais ou menos. A queda na liquidez se reflete no mercado como um todo", afirma Janduir Nóbrega, economista e professor do curso de Gestão Financeira da Universidade Potiguar (UNP).
Nos supermercados, as vendas que deveriam subir entre 4% e 5% em junho, em relação ao mesmo período do ano passado, permaneceram estagnadas, segundo dados da Associação dos Supermercados no Rio Grande do Norte (Assurn). "Isso uma hora ia acontecer. O governo facilitou muito o acesso ao crédito. O pessoal parou de comprar para pagar as contas. Quando está endividado, o consumidor consome menos. Isso é fato", afirma Geraldo Paiva Júnior, empresário do ramo e presidente da Assurn.
Pesquisa recém-divulgada pela Serasa Experian já havia revelado estabilização das vendas dos supermercados em 2011. A explicação é simples. "Com o crescimento dos níveis de endividamento e de inadimplência, a demanda se retrai, porque uma proporção maior de consumidores perde sua capacidade de compra", afirma José Varela.
A taxa de inadimplência bateu recorde em maio no país, considerando pagamentos em atraso há mais de 90 dias, alcançando 6%, segundo nota de crédito divulgada pelo Banco Central no mês passado. Este foi o maior percentual da série histórica, com início em junho de 2000, segundo reportagem publicada no Valor Econômico. No segmento de pessoas físicas, a taxa de atrasos chegou a 8%.
No Brasil, quase metade dos consumidores brasileiros (48,5%) possui dívidas que comprometem entre 11% e 50% de sua renda, segundo Sondagem de Expectativas do Consumidor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada na última sexta-feira. A pesquisa mostra que, em relação a dívidas com atraso superior a 30 dias, 9% dos informantes estão inadimplentes. Entre os consumidores que ganham até R$ 2.100, esse porcentual sobe para 19,1%.
Para Marcelo Queiroz, presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomércio/RN), as pessoas não estão fazendo as contas direito.
Descontrole no orçamento traz riscos
O comportamento da professora Iara Concentino e da comerciária Osana Maria Silva de Macedo ajuda a compreender como o endividamento do consumidor afeta a economia. As duas passaram por um aperto - em função das dívidas no cartão de crédito - há alguns anos e precisaram apertar o cinto. Para sair do vermelho, elas reduziram as saídas, cortaram viagens, eliminaram os supérfluos da lista de compras.
Osana aposentou os cinco cartões de crédito e passou dois anos sem contrair novas dívidas. Iara fez o mesmo até controlar o orçamento. "Me privei de muita coisa para quitar as dívidas dos cartões de crédito", afirma a professora. O esforço valeu a pena. "Agora com o orçamento controlado, sobra dinheiro para comprar à vista", diz Iara, que voltou a incluir supérfluos no carrinho de compras desde que voltou para o azul.
DESEQUILÍBRIO
Desequilíbrio financeiro é o motivo apontado por seis em cada dez consumidores entrevistados em Natal (62,3%) para atrasarem o pagamento das dívidas. Deste total, 43,3% revelaram que não fizeram orçamento e controle dos rendimentos e gastos ou fizeram de modo ineficaz.
Para Janduir Nóbrega, economista e professor do curso de Gestão Financeira da Universidade Potiguar (UNP), este é o grande problema. "O ideal é considerar o salário líquido - salário bruto (demonstrado em carteira) menos os descontos oficiais (INSS, IRRF, Vale transporte, Vale refeição, entre outros) - antes de contrair alguma dívida. Mas as pessoas não fazem este exercício e gastam mais do que ganham", afirma. Para Carlos Henrique de Almeida, economista da Serasa Experian, falta educação financeira. "O brasileiro faz dividas caras de longo prazo e não consegue pagar".
O endividamento exagerado não reduz apenas a capacidade de compra de consumidores como Osana e Iara. Ele emperra o crescimento da economia, explica Janduir Nóbrega, economista e professor da Universidade Potiguar (UNP). "Com o crescimento dos níveis de endividamento e de inadimplência, a demanda se retrai, porque uma proporção maior de consumidores perde sua capacidade de compra. No final, a produção reduz suas atividades e a oferta, podendo repercutir sobre o emprego", acrescenta José Varela, do Etene-BNB.
Cartilha mostra como manter as contas "no azul"
Para alertar os consumidores sobre os riscos e efeitos do endividamento exagerado, a Proteste (Associação dos Consumidores) elaborou uma cartilha - disponível no site www.proteste.org.br - que traz uma série de dicas para quem quer sair do vermelho ou se manter no azul.
Pagar à vista, com desconto; controlar o cartão de crédito; substituir empréstimos por outros com juros menores e não usar o limite do cheque especial são algumas das recomendações.
CUSTO
Outra dica, segundo a associação de consumidores, é saber qual o Custo Efetivo Total (CET) do crédito - informação prévia da taxa anual de despesas e encargos das operações, que inclui juros, tarifas, seguros e outras despesas.
A Proteste também aconselha a não comprometer mais de 30% da renda líquida - dinheiro que sobra após o pagamento das contas mensais.
Para Carlos Henrique de Almeida, da Serasa Experian, comprometer 30% da renda apenas com dívidas já é muito. "O ideal é que fique bem abaixo deste percentual".
Dicas para evitar o endividamento exagerado
O que diz a cartilha da Proteste, de acordo com o perfil do endividado.
Pessoas com até 25% da renda comprometida (economize nos detalhes)
- Só compre quando tiver dinheiro;
- Pague à vista, com desconto;
- Controle o cartão de crédito;
- Não esqueça luzes acesas;
- Passe as roupas de uma só vez;
- Reduza os gastos com lazer;
- Coma em casa;
- Pesquise antes de comprar;
- Seja fiel à lista do supermercado.
Pessoas com até 50% da renda comprometida (mude seu estilo de vida)
- Use a poupança para abater dívidas;
- Substitua empréstimos por outroscom juros menores;
- Evite andar de carro;
- Controle os telefonemas;
- Lave as roupas em casa.
Pessoas com 100% ou mais da renda comprometida (faça cortes drásticos)
- Renegocie suas dívidas;
- Aposente o cartão de crédito;
- Mude para um imóvel mais em conta;
- Venda o carro para quitar as dívidas mais pesadas;
- Coloque as crianças em uma escola mais barata;
- Suspenda os cursos extras;
- Não use o limite do cheque especial.
'Com o endividamento em alta, o crédito fica mais difícil'
Pesquisa recém-divulgada pelo BNB/FCDL mostra que as taxas de consumidores endividados, de consumidores com dívidas em atraso e de comprometimento da renda familiar atingiram o maior nível do ano em maio, na capital potiguar. O doutor em Administração de Empresas - EAESP/FGV - e coordenador de Estudos e Pesquisas do BNB/Etene, José Varela Donato, explica os motivos e as consequências disso.
Porque maio registrou as maiores taxas? O que estaria por trás disso?
Uma das razões para o aumento dos indicadores é o crescimento da taxa de desemprego. É claro que os estímulos para aquecer a economia, notadamente o setor industrial, como redução das taxas de juros, redução de IPI também induzem os consumidores às compras, principalmente a prazo.
Como o endividamento e a inadimplência impactam na economia?
Com o crescimento dos níveis de endividamento e de inadimplência, a demanda se retrai, porque uma proporção maior de consumidores perde sua capacidade de compra. Por outro lado, os comerciantes e agentes financeiros se tornam mais receosos e seletivos na concessão de crédito aos consumidores, porque cresce o risco de não pagamento. No final, a produção reduz suas atividades e a oferta, podendo repercutir sobre o emprego.
Quais os setores mais afetados?
Sem considerar medidas adotadas para minimizar os efeitos na economia, como a queda da produção industrial, os setores mais afetados com o aumento dos índices de endividamento e inadimplência são o comércio varejista, que vende para os consumidores finais, e aqueles setores mais relacionados com produtos e serviços cujas compras podem ser adiadas, como produtos não essenciais, produtos duráveis, como carro, televisores, roupas, produtos de luxo e outros mais caros e sofisticados.
Nosso Estado encontra-se numa situação diferente da situação dos demais? Há números que comprovem isso?
A pesquisa do BNB/FCDL foi realizada em maio somente em seis capitais do Nordeste: Fortaleza, Maceió, Natal, Salvador Teresina e João Pessoa. Os resultados da pesquisa de maio revelaram diferenças entre as capitais pesquisadas quanto ao perfil de endividamento dos consumidores. Mas de uma forma geral, o endividamento dos consumidores cresceu em todo o país, como revelaram outras pesquisas, como a da Serasa Experian.
Que outros dados o senhor destacaria?
A pesquisa explicita as múltiplas causas que conduzem as pessoas ao desequilíbrio financeiro. Mostra-se, em primeiro lugar, a importância da educação financeira e de atitudes previdentes para os consumidores. Em segundo lugar, as causas mais profundas que não se resolvem nem mesmo com o aumento da renda, mas com mudança de estilo de vida.
O governo federal tem tentado estimular o consumo das famílias. Essa não seria uma estratégia arriscada, levando em consideração que as taxas de endividamento e inadimplência estão altas?
O estímulo ao consumo se faz necessário no momento, porque o comércio é um setor importante da economia na geração de emprego e renda. E o comércio tem respondido bem. Logicamente, um comércio aquecido puxa o desempenho de outros setores. É claro que, do ponto de vista das finanças do consumidor, o estímulo ao consumo pode ocasionar mais endividamento e inadimplência, o que não é bom. Mas espera-se que os consumidores em geral também acabem percebendo suas dificuldades de quitar suas dívidas e exerçam maior controle dos seus rendimentos e, principalmente, dos gastos, minimizando os riscos de endividamento exagerado. Os empresários e agentes financeiros, é claro, também se acautelam na concessão do crédito.
Estimular o consumo bastaria?
Além do comércio, sem dúvida é importante incentivar o investimento também.
Analistas defendem mudança de foco
O governo federal tem anunciado medidas de estímulo ao crédito e ao consumo, para reaquecer a economia, mas a estratégia traz riscos, alertam os especialistas.
"O Brasil precisa encontrar outra forma de incentivar o crescimento", disse à TRIBUNA DO NORTE Nuno Fouto, coordenador de Pesquisas do Programa de Administração do Varejo (Provar), da Fundação Instituto de Administração (FIA). "Incentivar o consumo é importante, mas não é suficiente", diz.
Altos níveis de inadimplência, endividamento das famílias e recuo da intenção de compra dão mostras de que o potencial do consumo no Brasil estaria chegando à exaustão, segundo o presidente do Conselho do Provar, Claudio Felisoni, em entrevista à Agência Estado, na última quarta (4).
O cenário desfavorável levou a FIA a projetar um crescimento de 5,4% nas vendas reais do varejo em 2012, ante um aumento de 19,4% verificado em 2011, na comparação com o ano anterior. O futuro não parece muito animador. A queda da taxa de inadimplência do consumidor, esperada por analistas para o segundo semestre, só ocorrerá a partir de 2013, de acordo com pesquisa da Fundação. Segundo Claudio Felisoni, as taxas continuarão subindo até lá. Conforme estimativa da FIA, a inadimplência ficará em 8,1% em julho, 8,2% em agosto, 8,3% em setembro e outubro, 8,5% em novembro e 8,6% em dezembro.
Para Nuno Fouto, o problema não é o consumo, mas a produção, "que não tem conseguido acompanhar a oferta, abrindo caminho para a importação". Segundo ele, seria preciso estimular a oferta de bens manufaturados, desonerando a produção (para reduzir o Custo Brasil) e investindo em infraestrutura, combinando ações de curto, médio e longo prazo.
"O problema é que o caminho usado para manter o crescimento tem sido o do consumo", afirma o economista Janduir Nóbrega, membro do Conselho Regional de Economia do RN e diretor do curso de Gestão Financeira da Universidade Potiguar (UNP).
"Cerca de 60% do PIB do Brasil provém do consumo das famílias", completa Carlos Henrique de Almeida, economista da Serasa Experian. Na China, que consegue fazer amplos investimentos e viu as exportações subirem 1.700% desde 1992, percentual fica em torno de 35%. Carlos relembra que o governo federal está flexibilizando o câmbio para estimular a exportação, mas que os efeitos serão limitados. "Europa e China, grandes consumidores de produtos brasileiros, estão desacelerando".
Nuno, Janduir e Carlos concordam num ponto: o país precisa se tornar menos dependente do consumo. É preciso investir mais, dizem. "Investimento gera emprego e renda", ressalta Janduir. E renda gera consumo.
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